Certeza e Incerteza



Steve Andreas
O diálogo abaixo aconteceu entre Richard Bandler e um participante de um workshop, que tinha muita certeza sobre determinado assunto.
B.: Você tem certeza?
P.: Sim.
B.: Você tem certeza de que tem certeza?
P.: Sim.
B.: Você tem certeza suficiente para ESTAR INCERTO?
P.: Sim.
B.: OK, então vamos conversar.
Antes de continuar a leitura, recomendo que você pense em algo sobre o qual tem certeza absoluta, e peça a alguém que lhe faça esse conjunto de perguntas sobre sua certeza, para que você tenha uma experiência pessoal concreta sobre o impacto delas. Por fim, feche seus olhos e imagine que alguém mais lhe faz essas perguntas, e procure perceber cuidadosamente sua resposta a cada uma delas, a fim de experimentar o efeito das mesmas.
Para aqueles de vocês que ensinam modelagem, ou fazem modelagem, esta é uma excelente oportunidade para modelar. Embora o diálogo de Bandler seja breve e conciso, é bastante interessante explorar sua estrutura.
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Agora que você já experimentou, eu gostaria de caracterizar este padrão da maneira como o entendo, o que exige uma pequena jornada pelos níveis lógicos.
Nível 1. Existe uma situação X. X é uma "realidade" mais ou menos baseada no sensorial, o que Paul Watzlawick chama de "realidade de primeira ordem", que consiste em alguma coisa sobre a qual geralmente todos podem concordar, como uma "entrevista profissional", ou um "comentário crítico." Este nível geralmente é chamado de "ambiente", e é algo sobre o qual não podemos exercer muito controle. Alguns eventos desagradáveis nos acontecem de vez em quando, e nem sempre temos a chance de evitá-los ou ignorá-los.
Nível 2. A pessoa pensa, então, na situação X, de uma maneira particular e a caracteriza/avalia, por exemplo, "Este X é assustador". Essa é uma meta-resposta, e o estado é um meta-estado sobre X. Isso é o que Paul Watzlawick chama de "realidade de segunda ordem." Aqui, é onde as pessoas podem diferir muito, principalmente se elas pertencem a culturas diferentes, e é neste nível que muitos conflitos e problemas (e muitas soluções) existem.
A pessoa poderia simplesmente concluir que X é "chato", ou "excitante", ou "desafiador", ou uma oportunidade de "aprender mais sobre sua natureza Budista", etc. A resposta da pessoa dependerá de sua compreensão do evento, e a mudança dessa compreensão através da ressignifcação do conteúdo pode fazer uma enorme diferença na experiência da pessoa.
Nível 3. A pessoa tem um grau de certeza sobre a meta-resposta. "Eu sei que isso é assustador". Essa é uma meta-resposta sobre uma meta-resposta (uma meta-meta-resposta, com o correspondente meta-meta-estado). Poderíamos chamar isso de "realidade de terceira ordem", que está ainda mais distante da experiência sensorial do que a realidade de segunda-ordem, e é ainda mais problemática e perigosa. Muitos problemas (e soluções) ocorrem, também, neste nível.
Muitas pessoas que procuram terapia parecem sofrer de incerteza: "Não sei o que fazer." "Não tenho certeza se essa é a coisa certa a fazer". "A vida não tem sentido". Mas, também, podemos considerar isso como resultado de outras certezas. "Eu sei que isso não vai funcionar," "Eu sei que ela me odeia," "Eu sei que não vou ter sucesso," etc. Considerando-se que essas certezas tornam difícil para a pessoa considerar outras idéias no nível 2, muitas vezes é bastante útil reduzir a certeza.
Duas pessoas, uma que tenha fobia de aviões, e outra que não a tenha, podem estar criando exatamente as mesmas imagens de morte por incêndio ou destruição. A diferença é que as imagens do não-fóbico incluem alguma representação de pequena probabilidade ou remota possibilidade de acidente. Isso, tanto pode ser uma certeza de que o acidente não vai acontecer, como uma grande incerteza sobre seu acontecimento. No entanto, uma pessoa fóbica está, em sua experiência, certa de que o acidente vai acontecer, não importa o que ela possa dizer "intelectualmente".
O que torna difícil trabalhar com um paranóico não é o fato de ele pensar que os outros estão conspirando contra ele, mas sim o fato de ele ter certeza de que isso está acontecendo, e não querer questionar o assunto e considerar outras possibilidades.
Um outro aspecto decorrente da certeza da pessoa é o fato de que os outros podem sofrer com isso, tanto ou mais do que ela própria. Pensemos sobre todas as mortes, perseguições, miséria e destruição que aconteceram sobre a terra, como resultado da certeza de profetas e instituições religiosas, revolucionários e políticos – todos convencidos de que estavam certos.
Cada um de nós tem uma maneira de avaliar a experiência e obter uma medida de quanto estamos certos sobre ela. Freqüentemente, isso é chamado de "estratégia de convencimento" da pessoa. A exploração dos vários modos como as pessoas convencem a si mesmas de algo também é relevante para o tópico da certeza, mas este artigo vai discutir apenas o resultado da operação da "estratégia de convencimento."
Qualquer avaliação que alguém faça no nível 2 tem algum grau de certeza/incerteza no nível 3, numa escala que oscila desde a certeza zero até a certeza absoluta. Basicamente, existem três possibilidades:
  1. Certeza Zero.
  2. Se uma pessoa possui certeza zero, ela não tem nenhuma conclusão firme sobre o significado de X, de modo que está completamente aberta para considerar novas possibilidades, quando essas lhe forem sugeridas, e será fácil trabalhar com ela na exploração de outras formas de pensamento a respeito da situação X. Esse é um "cliente fácil", porque sua compreensão da situação é muito fluída e ele não tem certeza, ou a tem muito pequena, o que evita o travamento da compreensão, que torna difícil a mudança.
  3. Certeza Parcial.
  4. Se alguém tem uma certeza média, ainda existe alguma abertura para considerar outras idéias possíveis (no nível 2) ou uma situação X (no nível 1). Se estiver muito certo, será mais difícil para ele considerar outras idéias mas, pelo menos, ainda será possível. Esses clientes são um pouco mais difíceis de trabalhar do que aqueles com certeza zero ou com uma certeza muito pequena.
  5. Certeza Absoluta.
  6. Se uma pessoa está absolutamente certa de sua idéia, ela se fecha até para considerar outras idéias, porque sua certeza a respeito do assunto tranca a capacidade de considerar alternativas. Esses são os clientes realmente difíceis, e essa é a situação onde o padrão de Bandler é particularmente útil - mover alguém da certeza absoluta (que tem apenas uma representação) para a certeza parcial (com mais de uma representação), na qual é possível um diálogo. (Eu acho muito significativo, a esse respeito, que no final do diálogo o Bandler tenha dito: "OK, então vamos conversar.") Em outras palavras, esse padrão não é útil para resolver um problema, mas é útil para tornar possível a solução do problema no nível 2, diminuindo a certeza no nível 3.
Compreendendo o padrão.
Para compreender de que maneira o padrão funciona, é preciso entrar no âmbito do paradoxo, o que é muito difícil para a maioria de nós. (Também foi difícil pensar sobre isso para Bertrand Russell e Gottlob Frege, dois brilhantes profissionais da lógica. Portanto não há nenhuma vergonha nisso, mas os fracos podem pensar em voltar para uma recreação mais simples.)
"Você tem certeza?" é a pergunta a ser feita para a pessoa que se encontra em estado de certeza. Essa é uma pergunta que exige resposta sim ou não, mas também permite respostas com algum tipo de qualificação.
Se a pessoa disser, "Não, não muito", ela estará incerta (A) e aberta para outras idéias.
Se ela responder "Bem, eu tenho quase certeza," ela se encontra mais ou menos no meio de uma certeza parcial (B), e estará pelo menos um pouco aberta para considerar outras idéias.
Se ela simplesmente responder "SIM", precisamos de maiores informações. (Como sempre, as mensagens não verbais do tom de voz, postura, hesitações, etc. serão muito mais úteis do que as palavras para a avaliação do grau atual de certeza que a pessoa está experimentando.)
"Você tem certeza de que tem certeza?" aplica a certeza à própria certeza, perguntando, em essência, se a pessoa está absolutamente certa. Para responder esta pergunta, é necessário que a pessoa vá para um quarto nível. Novamente, esta é uma pergunta que pede um sim ou um não, mas permite uma resposta qualificada.
Se a pessoa disser: "Bem, eu tenho quase certeza", ou se ela qualificar sua resposta de alguma maneira, ela está mais ou menos no meio (B) e pode ser orientada. Se a pessoa responder com um "Sim", sem qualificá-lo, ela estará dizendo que está absolutamente certa (C). (Novamente, as atitudes não verbais nos dirão mais do que as palavras a respeito dessa certeza absoluta).
Essa condição de certeza absoluta (ou quase absoluta) é necessária para o funcionamento do passo seguinte. No entanto, se a condição de certeza absoluta não for atingida, o passo seguinte não será necessário porque, em uma condição de certeza parcial (B) pode-se continuar a explorar produtivamente idéias alternativas.
Um dos aspectos importantes dessa questão é que ela pede à pessoa para fazer o retorno da certeza sobre a certeza. Isso requer que a pessoa vá para um quarto nível lógico, algo que também é necessário para o próximo passo. A resposta "Sim" é uma confirmação de que a pessoa está pronta e capaz de fazer o retorno, ou de "aplicá-lo a si própria". Esse retorno é condição prévia para a próxima pergunta, que também pede à pessoa para aplicar a certeza a si própria, mas de maneira diferente.
Outra forma de descrever isso é que as duas primeiras perguntas podem ser usadas tanto para colher informações sobre o grau de certeza do cliente como para, ao mesmo tempo, montar as peças do quebra-cabeças que será montado no terceiro passo.
"Você tem certeza suficiente para ESTAR INCERTO?" aplica a certeza à sua negação, e é uma forma de paradoxo lógico, equivalente à afirmação: "Esta sentença é falsa (não verdadeira)," ou "Eu sou um mentiroso (alguém que não diz a verdade)." (A palavra "paradoxo" também pode ser usada num sentido mais amplo, significando "contraditório" ou "inesperado," mas o significado é restrito, aqui, ao paradoxo lógico).
Os três ingredientes essenciais de um paradoxo lógico são:
  1. Uma sentença absoluta,
  2. Retorno,
  3. Negação.
No paradoxo, uma sentença absoluta é aplicada como retorno à sua própria negação, formando uma ponte entre dois níveis lógicos. Se a sentença for verdadeira, então ela é falsa, e se for falsa, então é verdadeira. Essa oscilação perpétua entre a verdade e a falsidade desafia todas as nossas idéias sobre certeza e realidade, e esta é, pelo menos, uma das razões pela qual nós achamos tão difícil pensar sobre o paradoxo.
Existem mais dois elementos muito importantes na palavra "suficiente". "Suficiente" pressupõe a existência de algum ponto dentro de um moto contínuo, enquanto a pessoa estiver usando uma distinção absoluta ou/ou (certo/incerto), sem um elemento intermediário. Não importa como a pessoa responde. Quando ela aceita essa pressuposição, está concordando com um padrão em que a certeza está num contínuo análogo mais do que um ou/ou absoluto, digital; e, consequentemente, outras idéias alternativas podem ser consideradas. A menos que ela desafie essa pressuposição, qualquer resposta a essa pergunta faz com que ela experimente uma incerteza parcial.
Ainda existe outro elemento importante na palavra "suficiente". Ela pressupõe o alcance de uma meta, neste caso uma meta de certeza. Se a pessoa responder "Não", ela está dizendo que sua certeza está abaixo de sua meta. Se ela responder "Sim", ela está dizendo que sua certeza alcançou a meta, e é "suficiente" para estar incerta.
"Você tem certeza suficiente para estar incerto?" é a forma interrogativa da afirmação: "Se você tem certeza suficiente, está incerto" e isso se torna um pressuposto quando colocado sob a forma de pergunta. Essa pressuposição afirma que a grande certeza inclui a capacidade de não ter certeza, tomando duas experiências que foram experimentadas como opostos polares, e embutindo uma na outra.
Eu já mencionei que é muito difícil para a maioria de nós processar paradoxos lógicos. Quando nós ouvimos esse paradoxo, colocado sob a forma de pergunta, (dentro das pressuposições do "suficiente"), a maioria das pessoas simplesmente desiste e responde sim ou não.
Se uma pessoa responde "Sim", ela está concordando com o estado de "incerteza" (o "incerto"); e se a resposta é "Não", ela também está concordando com um estado de incerteza, "não suficientemente certo." Qualquer que seja a resposta dada, ela estará concordando com um certo grau de incerteza, e, consequentemente, disposta a considerar idéias alternativas.
Este padrão tem a mesma forma do desafio paradoxal que, supostamente, o diabo fez a Deus em relação à onipotência divina. O diabo desafiou Deus a criar uma montanha tão grande que nem Ele pudesse movê-la. Se Deus não pudesse criar tal montanha que nem Ele pudesse mover, Ele não seria onipotente em sua capacidade de remover montanhas. De qualquer maneira, a onipotência absoluta de Deus ficaria destruída.
Em resumo, esse padrão é muito útil em situações em que a pessoa tem muita certeza sobre sua maneira de entender alguma coisa, o que lhe causa dificuldades, além do fato de que sua certeza resulta na falta de disposição até para considerar idéias alternativas. O uso desse padrão pode predispor a pessoa para a consideração de outros modelos de mundo.
Aprender como escolher níveis de experiência dessa forma é uma habilidade muito útil, que pode ajudar-nos a compreender a estrutura dos problemas, e a decidir que nível de compreensão pode provocar a melhora.
Isso torna mais fácil encontrar nosso caminho através dos tortuosos corredores da mente de outra pessoa, a fim de ajudá-la a encontrar uma saída – e também evita que percamos tempo resolvendo problemas que ela não tem!
A confusão a respeito dos níveis de pensamento, o retorno que transcende os níveis e, particularmente, o retorno que inclui a negação, estão presentes em muitos problemas humanos. Esse campo é pouco explorado, e muitas vezes cria armadilhas de paradoxos para nós. Conhecer os três elementos essenciais do paradoxo (sentença absoluta, retorno e negação) pode ajudar-nos a identificar essas armadilhas, e a evitá-las.
Não podemos evitar os níveis lógicos, ou o retorno, e não queremos fazê-lo – isso impediria que pudéssemos pensar sobre o pensamento, ter sentimentos sobre sentimentos, pensar sobre sentimentos, e muitos outros aspectos valiosos e únicos de nossa condição humana. Mas, podemos aprender a usar afirmações positivas sempre que possível, ao invés de negativas, e aprender a ter muito cuidado quando precisamos usar a negação. A ênfase da PNL sobre os resultados positivos é um exemplo do valor disso, e os benefícios que podem resultar desse tipo de pensamento.
Precisamos ser duplamente cuidadosos quando o retorno também está presente, o que acontece muito mais freqüentemente do que pensamos. Apenas para dar um exemplo, quando alguém diz: "Eu sou uma pessoa má", ele está dizendo que tudo o que faz é mau, e um de seus comportamentos é a frase que ele acaba de dizer, portanto "maldade" aplica-se à frase sobre a maldade.
Finalmente, precisamos aprender a ter muito cuidado em relação às afirmações absolutas, dando-nos conta de que todo o conhecimento é relativo, contextual, e baseado em nossa limitadíssima experiência e compreensão. Paradoxalmente, essa é uma coisa sobre a qual podemos ter muita certeza!
Eu sempre me surpreendo com o fato de que, com o quilo e meio de material existente entre nossas orelhas, possamos imaginar e pensar sobre um universo infinito, mas seria útil ter um pouco de humildade, também. Comecemos com alguma humildade sobre nosso conhecimento e nossa certeza.
Steve Andreas, com sua mulher Connirae, vem aprendendo, ensinando e desenvolvendo a Programação Neurolingüística (PNL) por mais de vinte anos. Eles são autores e editores de diversos livros e artigos de PNL.
Publicado na Anchor Point (www.nlpanchorpoint.com) de outubro de 2000
Publicado no Golfinho nº 72 JAN/2001
Trad. Hélia Cadore. E-mail: lcadore@uol.com.br, para Golfinho.