Steve e Connirae Andreas
Uma ancoragem adequada abrange muitos aspectos. A maneira de eliciar, o momento, a harmonia e naturalidade ao introduzir a âncora, a habilidade com que o estado ancorado é integrado com o estado desejado, etc. Neste artigo, queremos focalizar apenas um aspecto da ancoragem, i.e., a escolha do estado para ancorar.
Ao revisar o trabalho de treinadores e de futuros treinadores ao longo dos anos, muitas vezes ouvimos algumas formas de integração das âncoras como: "Certifique-se de que o estado de recursos é tão intenso quanto o estado de problema." "Se o estado de recursos não for pelo menos tão forte quanto o estado de problema, este poderá suplantar o recurso." Algumas pessoas vão ainda mais longe, colocando intensidade numérica aos estados: "Se o estado de problema é menos 6, certifique-se de que o estado de recursos é, pelo menos, mais 7." Esse tipo de interpretação leva-nos a focalizar primeiro a intensidade do estado, mais do que sua qualidade. Muitas vezes brincamos, chamando isso de "teoria matemática dos estados".
Falar nesses termos é indicar algumas pressuposições simplistas e inúteis sobre os estados: que os estados lutam um com o outro no processo de integração, e que apenas a intensidade, como tal, de um estado "positivo" pode suplantar um estado "negativo". No início, fomos ensinados através de metáforas "conflitantes" ou de "combate", e somente depois de algum tempo fomos capazes de compreender que existem muito mais maneiras úteis de pensar sobre os estados integrantes. Uma vez que as metáforas que usamos para compreender nosso trabalho nos levam a pensar em certas maneiras (e também nos impedem de pensar em outras), é importante reexaminá-las de vez em quando e melhorá-las sempre que pudermos.
Um forte contra-exemplo aponta, muitas vezes, a maneira em direção a um paradigma mais útil; o procedimento para a cura de fobia, por exemplo, faz isso muito bem. A fobia é um dos estados mais intensos que uma pessoa pode experimentar. No entanto, o recurso que resolve uma fobia, a dissociação, é um estado que ninguém poderia descrever como intenso!
Esse contra-exemplo demonstra que não é a intensidade ou a quantidade de um estado de recursos, mas suas qualidades particulares, que o tornam útil para mudar uma experiência problemática. O estado de recursos para concentração em matemática é muito interno e utiliza muito pouca cinestesia proprioceptiva, enquanto que o estado de recursos para esquiar é muito externo e utilizará distinções sofisticadas e retorno do sistema cinestésico. Enquanto nenhum desses estados de recursos é particularmente "intenso", cada um deles se constitui num recurso poderoso para o exercício da habilidade apropriada.
Por outro lado, nenhum desses estados servirá como recurso para outra finalidade: poderá ser até um impedimento. Um esquiador que tentar fazer matemática em seu estado de recursos para esquiar não terá sucesso, assim como um matemático não poderá esquiar usando seu estado de recursos para a matemática, e ambos poderão sentir profunda frustração em conseqüência disso.
Há muitos anos, diz-se que nós usamos apenas 10% de nosso cérebro. Nós não sabemos como se chegou a esse número, mas provavelmente a intenção foi a de convencer as pessoas de que elas são capazes de muito mais do que acreditam. Pode ser útil notar que usar 100% de nosso cérebro não é particularmente vantajoso - isso é o que acontece durante um ataque epiléptico ou um tratamento de eletrochoque. O problema não é estarmos usando somente 10%, mas é usarmos os 10% errados. Quando fazemos bem uma determinada tarefa, podemos muito bem estar usando consideravelmente menos do que 1% de nosso cérebro, mas o 1% certo. O que fazemos ao ancorar com sucesso um recurso é encontrar a neurologia exata necessária para chegarmos a um determinado resultado.
Quando uma pessoa fica presa num estado desagradável, é porque ela está carente de alguma habilidade ou perícia que a capacitaria a enfrentar a situação que é importante para ela. Ou, em outras palavras, ela não está acessando a neurologia apropriada para a tarefa que precisa realizar. A intensidade da reação da pessoa deve-se à importância da situação problemática, e não à dificuldade da situação em si. Uma dificuldade muito simples pode resultar numa reação muito intensa e, muitas vezes, uma habilidade de recursos muito simples e comum é que vai resolver o problema. Um fio frouxo na ignição de um carro é uma parte muito pequena do carro, mas pode fazer a diferença entre o funcionamento ou não, do veículo; e pode levar apenas um instante para apertá-lo e resolver completamente o "problema" do carro (e também o do motorista).
O cérebro humano tem muitas capacidades e habilidades diferentes, e cada uma delas é realizada por um certo conjunto de eventos neurológicos. Ancorar um estado é fácil. Escolher um estado apropriado para ancorar é muito mais importante.
Freqüentemente, é bom deixar o cliente escolher, uma vez que ele (e sua mente inconsciente) sabe muito mais sobre a situação do problema do que poderia dizer em centenas de anos: "Que recurso faria uma diferença poderosa para você, nessa situação?" "Qual de suas muitas habilidades e capacidades pessoais seria realmente útil para você, nessa situação problemática, e poderia transformá-la em uma que seja fácil para você lidar de maneira útil?" "Quando, no seu passado, você encontrou uma situação semelhante que achou fácil de lidar, com recursos?" "Como seria se você tivesse habilidade para lidar com essa situação de uma maneira plenamente satisfatória?"
No entretanto, outras vezes, o cliente não tem idéia de que estado seria útil (ou ele pode pensar que sabe e escolher erradamente!) Uma busca na história pessoal do cliente pode revelar que não houve nenhuma situação semelhante que funcionasse bem no passado e, assim, o futuro "imaginado" pode resultar num vazio. Neste caso, um habilidoso practitioner de PNL poderá juntar informações suficientes sobre os parâmetros do processo e o conteúdo do estado de problema, a fim de prever que tipo de estado seria um recurso poderoso num determinado contexto, visando a um resultado específico (como no exemplo de estados de recursos para esquiar e para a matemática). A compreensão detalhada das estratégias e submodalidades, etc., que uma pessoa usa no estado de problema pode oferecer informações de alta qualidade, que permitam perceber quais os estados de recursos que contêm um alto grau de especificidade para alcançar o estado que está buscando. Contudo, a intensidade do estado de problema é a peça menos útil da informação; isso indica apenas a importância de tal estado de problema para a pessoa.
Uma das maiores habilidades de Milton Erickson era a de eliciar exatamente o estado de recursos que o cliente necessitava, a fim de fazer a mudança desejada. Ele foi especialmente adepto de acessar "o que o cliente sabe, mas não sabe que sabe" ou, em outras palavras, a compreensão inconsciente do cliente. Com uma mulher que sofria muitas dores devido a um câncer terminal, ele eliciou o estado livre de dor que ocorreria se um tigre faminto entrasse porta a dentro. "E exatamente quanta dor você sentiria, se você se virasse e visse um tigre faminto entrando calmamente por aquela porta, lambendo os beiços e olhando justamente só para você?" Com outra, que se encontrava paralisada da cintura para baixo e não podia controlar conscientemente a urina, ele estabeleceu uma situação na qual ela imaginava estar sentada no vaso e a porta se abria, mostrando a face de um homem estranho.
É claro que, em última análise, "a prova do pudim se faz ao comê-lo". Em qualquer situação, a reação não verbal do cliente, após acessar e ancorar o estado escolhido no contexto do problema, é o que nos informa se tal estado escolhido é realmente um recurso. Como exercício, gostaríamos de apresentar uma descrição de um cliente que tivemos há vinte anos atrás, e convidar você a escolher um estado de recursos apropriado, específico para resolver o problema dele.
A queixa do cliente era de que ele não gostava de beijar sua mulher porque ela tinha halitose. Tanto ele como sua mulher desejavam mais carícias e beijos. A respiração dela simplesmente cheirava mal para ele, e por isso ele evitava o contato mais próximo. Essa situação vinha sendo um problema, desde que eles haviam se encontrado há um ano; mas eles se casaram, apesar disso. Ela tentava lavagem bucal e pastilhas, etc., mas o efeito era apenas temporário, e nenhum deles gostava do odor medicinal. Muitos aspectos do casamento deles eram muito satisfatórios, mas este problema estava causando dificuldades. Nós exploramos completa e cuidadosamente os "ganhos secundários" e não encontramos nenhum. Suponha que o cheiro do hálito dela não pode ser mudado. (Ele pode ter uma base bioquímica; agora, eles têm uma filha cujo hálito tem o mesmo cheiro distintivo.) Que tipo de estado de recursos você escolheria para eliciar e ancorar, a fim de mudar a reação desagradável dele em relação ao hálito da mulher?
Pedimos que faça uma pausa agora, e pense sobre o que você faria nesta situação. Que tipo de estado de recursos você escolheria para ancorar? Continue a leitura somente depois que você tiver escolhido uma ou mais opções, e você terá uma oportunidade de aprender algo sobre como você pensa, e de que maneira você poderá acrescentar algumas escolhas úteis.
Algumas pessoas escolhem um estado em que o cheiro esteja ausente, como um nariz tapado, ou uma situação em que um elemento químico, como a amônia, tenha impregnado o nariz. Embora isso possa funcionar, é equivalente a prescrever amnésia para a memória de uma vítima de roubo, e exemplifica uma abordagem que talvez seja descrita em termos matemáticos. A amnésia, ou o esquecimento, ou a ausência do cheiro, todos são exemplos de subtração da experiência, que apresenta alguns perigos. Quando a experiência é subtraída, a pessoa tem menos informações, menos habilidades, menos sensibilidade perceptiva, menos recursos. Em resumo, ela se torna um ser humano menos capaz, e mais à mercê de seu ambiente. A amnésia da lembrança de um roubo deleta todos os sentimentos ruins, mas também todas as informações úteis sobre o evento, que podem ser usadas para proteger a pessoa no futuro; e isso torna a pessoa mais vulnerável à repetição. A falta do cheiro tornaria a pessoa mais vulnerável para os efeitos potencialmente perigosos de alimentos estragados ou vazamento de gás.
Em contraposição, um bom trabalho de PNL sempre acrescenta. Nós sempre queremos acrescentar informações, habilidades, sensibilidade perceptiva, recursos, para tornar o cliente cada vez mais plenamente humano, mais capaz de perceber, escolher e responder aos eventos. Logo, a tarefa de escolher um estado para ancorar é, no mínimo, resumida na questão: "Que experiência podemos acrescentar a fim de mudar a situação?"
Observamos um trainer que sempre ancora a auto-estima positiva como recurso. Ao mesmo tempo em que sentir-se bem sobre si próprio é freqüentemente um estado valioso, ele não é, mais do que qualquer outro estado, um "cura-tudo"; e, neste caso, poderia fazê-lo sentir-se bem sobre não gostar do hálito de sua esposa, ou bom por ter-se casado com ela apesar disso, etc. No entanto, o hálito ruim dela continuaria a incomodá-lo.
Outro importante trainer ancora um estado de confiança. Neste caso, a confiança é irrelevante. Como poderia a confiança ter algo a ver com o cheiro do hálito de sua mulher? A confiança pode ser um recurso muito útil para alguém que seja competente e capaz de fazer algo, mas está hesitante sobre fazê-lo ou não. Já que muitas pessoas hesitam em fazer as coisas que são capazes de fazer, ancorar confiança pode muitas vezes ser útil. Mas, consideremos a situação em que alguém está hesitante, mas é incompetente. Se você ancorar um estado de confiança, ela continuará tentando fazer coisas para as quais ainda não está preparado. Isso levará inevitavelmente à decepção, que não é um resultado particularmente útil, e a pessoa e os outros podem também ser prejudicados se a incompetência resultar em perigo físico.
Algumas pessoas tentam ancorar um estado de neutralidade. Na prática, é muito difícil ancorar uma reação neutra. A qualquer momento somos neutros sobre milhares de eventos ao nosso redor, aos quais não estamos respondendo, de modo que essa é uma experiência completamente inespecífica. A ancoragem funciona somente através de uma resposta neurológica específica. Por outro lado, uma resposta prazerosa a algo é específica (e muito mais agradável) e por isso é muito mais fácil acessar um estado de prazer e ancorá-lo além de ser uma neurologia básica.
Uma possibilidade é a de ancorar uma ou mais experiências em que o cliente está respondendo a um cheiro com prazer. Essa é, certamente, uma espécie adequada de recurso, e funcionará quase sempre, particularmente se os cheiros que provocam respostas prazerosas ou desagradáveis são semelhantes em qualidade. Uma vez que não tentamos isso nesse caso, não podemos dizer com certeza se funcionaria ou não; mas, certamente, essa é uma escolha adequada.
No entanto, uma coisa é identificar um estado de recursos e ancorá-lo; outra coisa é encontrar um caminho ou fácil transição para aquele estado. Há uma antiga piada de que os neuróticos constroem castelos no ar, os psicóticos moram neles, e os psiquiatras cobram o aluguel. A tarefa da PNL é construir escadas, ou transições, de modo que as pessoas possam realmente alcançar os resultados que desejam com facilidade (sem se tornarem psicóticos, e sem pagar aluguel aos psiquiatras!).
O estado desejado é que o cliente tenha uma resposta prazerosa ao hálito de sua mulher. Que experiência ofereceria um mecanismo de transição, a fim de que ele possa facilmente acessar a neurologia específica que lhe possibilitará mudar sua reação desagradável para uma agradável?
Quase todo mundo gosta de certos cheiros que alguma vez lhes foram desagradáveis (e ainda podem desagradar a outros), geralmente porque eles se tornaram âncoras para experiências agradáveis em algum momento do passado. Se você eliciar e ancorar o momento que a reação mudou, você obtém acesso às mudanças neurológicas que ocorreram durante o processo de transição, mais do que simplesmente o estado desejado. Isso também tem a função útil de convencer a mente consciente da pessoa de que o tipo de mudança que ela deseja é possível, já que ela pode verificar sua ocorrência no passado.
Uma vez feita a pergunta certa, a resposta geralmente é óbvia. Nós pedimos ao cliente que pensasse nas vezes em que sua resposta a um cheiro mudou de desagradável para agradável, e ele lembrou-se de duas:
1) Ele não gostava do cheiro de feno recém cortado; mas, numa manhã bem cedo, com o sol brilhando, ao dirigir próximo a campos de feno, ele se surpreendeu gostando do cheiro.
2) Ele nunca gostou do cheiro de cravos (parecia ser um cheiro "medicinal") até que, numa manhã, ele percebeu que estava gostando do cheiro.
Nós ancoramos essas duas experiências separadamente em seu braço, com diferentes toques, e depois seguramos ambas as âncoras enquanto pedimos a ele que fechasse seus olhos e imaginasse que estava se inclinando para beijar sua mulher. Quando ele fez isso, contou que viu o rosto de sua mulher com feno ao redor dele, e com um cravo entre os lábios. (Quando você obtém este tipo de cooperação da mente inconsciente do cliente, você sabe que está no caminho certo!). A reancoragem teve sucesso imediato, e vinte anos (e vários filhos) depois, o problema não havia voltado.
Geralmente, as pessoas pensam em ancorar estados. Ancorar o processo como alguém faz a transição de um estado para outro é um refinamento muito específico e poderoso. A fim de realizar seu trabalho futuro ainda com maior elegância desta maneira, nós o encorajamos a identificar o processo específico de transição que seu cliente precisa, mais do que apenas o estado objetivado. Mesmo que o cliente o tenha experimentado somente uma vez na sua vida; quando você o encontra, encontra exatamente aquilo que ele precisa para chegar lá.
Ensinar um cliente como identificar e utilizar esses estados de transição oferece-lhe uma medida de flexibilidade e escolha que não se encontra nos estados estáticos.
Mas, por que os seus clientes obtém todos os benefícios dessa abordagem?
Você se lembra de alguma vez em que estava furioso e, de repente, explodiu em gargalhadas?
E quando você estava cansado e irritável e depois de acordar ficou alerta e de bom humor por horas?
Uma vez em que algo que você considerava feio tornou-se permanentemente belo, à sua maneira especial?
E aquela vez em que você estava "fechado em seu próprio mundo" e depois conseguiu expandi-lo para incluir o ponto de vista de outra pessoa?
Uma vez em que você estava desanimado ou chateado com a PNL e então o processo de seu cliente começou a ficar intensamente fascinante?
Que tal aquela ocasião em que você "não estava disposto" e depois tornou-se docemente apaixonado?
E quando você estava reclamando das dificuldades da vida e depois ficou profundamente grato até às lágrimas, simplesmente por estar vivo?
Que outras transições você gostaria de ser capaz de fazer em sua própria vida agora... e quando você foi capaz de fazê-las facilmente?
Steve Andreas, com sua esposa Connirae, vem aprendendo, ensinando e desenvolvendo a Programação Neurolingüística (PNL) por mais de vinte anos. Eles são autores ou editores de diversos livros e artigos de PNL.
Artigo da revista Anchor Point, Julho, 2000
Publicado no Golfinho nº 70 NOV/2000Trad. Hélia Cadore – e-mail: lcadore@uol.com.br
http://www.golfinho.com.br/artigospnl/artigodomes200104.asp